quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Arte que não o pretende ser

Arte. Acima de tudo, de todas as pinturas, esculturas, melodias ou coreografias, arte é aquilo que todo o ser humano cria, dia após dia, muitas vezes sem ter noção e nunca com uma explicação. É arte sem uma sinopse, sem se apoiar em algo que lhe dê um sentido superficial que raramente irão perceber. Passa pelo mesmo processo: é sugerida pelas experiências, cresce com as vivências, e na maioria das vezes culmina com os gestos ou visões mais fugazes. É aí, nesse culminar, que se percebe que por mais teorias que possamos falar ou escrever e por muito racionais que sejamos, nunca vamos ser capazes de reduzir uma vivência intensa em palavras, meras palavras que não pedem permissão para ser ditas e podem ser mal empregues sem qualquer punição. E não se pode correr esse risco, o terrível risco de desvalorizar aquilo que nos dá vida, que nos ilumina, que nos deixa nervosos quando o relembramos. Por isso, escrevo-te directamente na pele. Dessa forma sei que mesmo que todas as palavras se apaguem continuam em ti e não serão mais um rascunho perdido no mundo. Escrevo-te na pele porque preciso de dizer-te algo que fique só entre nós.

Criamos verdadeira arte com sentimentos, moldamos o nosso mundo e vivemos momentos alucinantes, inexplicáveis, improvisos capazes de ferir mais do que qualquer obra com meses de ensaio. Isto sim, é arte sem nome, é arte de viver, com a qual todos se identificam sem questionar. Nenhum autor criará algo propositadamente capaz de pôr a sua vida ou o seu bem-estar em risco. Nós, os autores de todos os dias e os autores quando não estão a ser autores, entregamos a nossa própria vida nas mãos de um desejar, de um querer, de um amar tão forte capaz de nos tirar tudo num abrir e fechar de olhos. Tentemos questionar algo assim... Compensa o risco? Vale a pena arriscarmos tanto por algo que pode pura e simplesmente desparecer sem deixar um rasto?... Nunca teremos respostas. Apenas procuramos senti-lo e temos uma necessidade inegável de correr este risco tão grande.

É secreto, por muito que se fale nisto, é um dos nossos segredos mais íntimos. Quando o nosso desejo ganhar asas e voar por sua vontade, nunca ninguém admitirá que se perdeu o sentido de tudo. Toda a gente vai viver ilusóriamente com teorias que não defende e transparências que não sente. Queremos um segredo que se guarde para sempre numa caixinha de pedra bem fechada que nos permita sentir uma energia especial em cada movimento sem termos que a procurar todos os dias. Tê-la ali garantida, isolada, virada na nossa direcção de mãos presas e coração exposto. É a verdadeira matéria prima que dá origem as obras da nossa vida. Não queremos partilhá-la nem com ela própria, saber dela a qualquer hora do dia, senti-la tão perto que o seu respirar nos humedece a pele. No seu auge, estou num momento em que só sei falar de auges. Não conheço nada abaixo de um querer doentio, de uma necessidade louca. O mundo que não se enquadra em ti deixa de caber em mim. As dores que tu sentes sinto-as ainda mais intensamente... Estarei também eu a, inconscientemente, tentar explicar aquilo que sou a primeira a chamar de inexplicável? Provavelmente todos o fazemos. Queremos complicar o simples e simplificar o complexo.

No fim, apenas queremos viver desta arte que nos renasce matando-nos de desejo.


E.

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